13.12.06

por Artista?Quem?


Meteorolozofia


Texto escrito na semana de 16 à 23 de outubro de 2006.


Não pára de chover em Salvador. Numa cidade litorânea como essa a chuva cria um desconforto duplo: 1°, devido a falta de adequação da cidade ao enfrentar “temporais” como o de agora e 2°, pelo fato de que está sempre latente no imaginário popular que na Bahia nunca chove, e que naquele momento poderiam estar na praia (embora a maioria tenha mesmo é que trabalhar!).
No percurso que faço de casa até a faculdade (boa parte da orla marítima da cidade, da praia de Piatã ao porto da Barra) observo um céu escuro, pessoas tentando se proteger da chuva com agasalhos e guarda-chuvas, ciclovias comumente lotadas de bicicletas e pedestres agora vazias, barracas de praia às moscas e um trânsito engarrafado a minha frente me levam a concluir que embora incômoda pra muitos em determinados momentos, a chuva tem sim sua função! Não, não pense que falo da sua colaboração com a natureza, o ar, as plantas, etc... Não é isso. Ela nos faz lembrar que não podemos ter controle sobre tudo. Que estamos sujeitos a algo ou a alguém.
Não sei se por Id, ego, ou incontrolável avanço, estamos sempre tentando controlar as coisas à nossa volta, como o controle remoto da TV, carros, pessoas, horários, o próprio corpo, a comida, matérias primas, remédios, etc. E inevitavelmente, o homem como ser participante de uma sociedade - seja ela qual for – está sujeito a inúmeras relações de poder e controle: Pai/ filho, Professor/ aluno, Patrão/ empregado, Médico/ paciente, e assim por diante.
Acredito que a chuva vem justamente pra “desorganizar” essas relações de poder e colocar nossos “pés-no-chão” quanto ao fato de sermos todos da mesma matéria, mostrar que ela molha tanto a mim quanto a você. É como estar nu. Sem roupas e adornos (que por si só também já estabelecem uma relação de poder) somos todos (+ ou -) iguais.
Há quem prefere se render às forças da natureza do que lutar contra ela. Dançam, jogam bola, correm na praia, lavam roupa, beijam na chuva... Também prefiro compactuar com ela, aproveitar o “barulhinho bom” da chuva na telha, um bom café, uma rede com um bom cobertor, um bom livro, uma boa música, ou escrever um texto curto como este, afinal, o sono já vem chegando e nada melhor do que dormir com chuva...



ILUSTRAÇÃO: fotografia de Spencer Tunik