Estranho Conhecido
Será que é? Senão é, como há de ser? Mais denso, mais curvo, mais calmo, mais calvo? Talvez menos tenso, menos encolerizado, com mais limites entre o certo e o errado, o “não” e o “sim”, com mais clareza, sem meias palavras e jogos. Disseram-me que seria como dançar feliz sem música de fundo, como ouvir sem que o outro precise dizer, seria como Tom Jobim, Vinícius, Chico, Cartola e Noel numa mesma canção, como Niemeyer e Phillipe Starck assinando um mesmo projeto, seria como um dia com 48 horas de duração e sem trabalho, como um Carnaval eterno. Embora muitos preguem que se pareça com um enforcamento ou um casamento com a dor, um labirinto, um querer quase escravo, uma autoflagelação, e fujam dele, muitos continuam a buscá-lo sem saber o porquê. Será eterno?Durará até o próximo inverno? Estarei um dia de terno no altar? Pode ser que tudo que eu tenha como evidência da sua existência não seja de fato válido e a humanidade inteira esteja errada: o pulsar mais forte, o querer bem, o sofrer junto, a euforia, a saudade, a presença enquanto um se faz ausente, o dormir abraçado, o cantarolar pela manhã, o andar de mãos dadas, o rir de si mesmo, o pensar no futuro, o “eu te amo”, não valham de nada. Provavelmente sejamos todos loucos. Loucos pela felicidade, de um otimismo exacerbado, de um desprendimento com o futuro e com o ridículo. Loucos, como dois camicases que não conseguem jogar o avião, dois homens-bomba medrosos, loucos por um sentimento que não conhece nem a nascente nem o poente. Talvez seja como um feto eterno que nunca virá à luz, um desconhecido. Um estranho conhecido. O amor.

Imagem: "My Hearts Bleeds no More" de Endorphine