17.7.07

por Flávia Vasconcelos


Outro Mundo


Acordei num mundo diferente. Aliás, depois de tudo, vi que o meu mundo que é exceção. Acordei num lugar onde o sol parece estar mais acordado, onde a fé vira um ingrediente a mais para a sobrevivência: o pão, a água, a fé e pronto. Numa mesa de bar, lá nesse mundo, se discute o que é felicidade. Entre um gole e outro, hora os ânimos se exaltavam hora serenavam, afinal, definir felicidade não é fácil. Eles podem ser felizes vivendo em prol da esmola, porque não? Tudo bem, estaria eu aqui sendo etnocentrista ao pensar que outro jeito de viver, diferente do meu, não tem felicidade. Mas eu sou do time de cá, que acha que felicidade é não ser marionete na mão de gigantes, que só são gigantes porque souberam com muita perspicácia e crueldade manter-se onde estão.Ter felicidade não é só ter o que comer, viver sem o estresse do barulho ou se apegar a um santo e viver de fé. Eu mesma não defino felicidade, até porque não existe verdade absoluta, mas ser feliz não é apenas sobreviver. Tudo nesse mundo é digno de ser registrado, ou como denúncia ou como beleza. Crianças, mulheres, homens e velhos chegam aos montes em busca da cura de suas dores ou para agradecer caso não as tenham mais. Outras crianças, mulheres, homens e velhos recebem os que chegam, com a ansiedade e a esperança de conseguir mais alguma coisa para comprar seu sustento. Vendem a simpatia, a gentileza, o carinho e sua pureza nas barracas de lona para qualquer um que se aproximar, e, achando eles que isso era pouco, vendem também objetos, que só servem, para os que compram, como lembrança física, e que tem um valor limitado. Sem saberem que o mais valioso é o subjetivo, são as boas energias. E assim vai, num mercado incansável de energias. O sol a pino, as crianças, umas brincando, outras pedindo 10 centavos. Mas a criança é tão especial que, mesmo pedindo o dnheiro, assim mesmo se diverte, cumpre sua triste missão de pedinte na melhor forma possível (se é que existe algo de bom nisso, e se é que isso é missão) pois é criança, e como tal é curiosa e se deixa levar pelas brincadeiras, pelas novidades que em tempo de festa como esse, aparecem a todo vapor, como as lentes que as registram. Lentes essas que usei para não deixar essa beleza esquecida, embora ela fique no pensamento e nos sonhos que certamente virão, como agora por exemplo. Mas experiência como essa, nada e nunca é demais, registra-se de várias formas. Teria muita coisa a dizer sobre essa minha ida ao outro mundo, ao mundo que meu mundinho está inserido. São tantas as coisas, que as palavras se esgotam. Esse mundo se chama Juazeiro do Norte, interior quente de uma terra mais quente ainda, o Ceará. Estive por lá em plena festa dos romeiros, a linda e inesquecível Romaria do Padre Cícero. Só termino com a promessa de me tornar alguém melhor, de saber rir nas dificuldades como os “habitantes” do mundo que conheci. E também colaborar para que a miséria não se transforme em atração para turista ver, ou até mesmo vire cultura popular.




Imagens: "Senhorinha", "Criancinhas" e "Marquinhos", respectivamente, de Flávia Vasconcelos



4 comentários:

Anônimo disse...

Sempre quis conhecer Juazeiro do Norte, acho que meu lado religioso sempre me cobrou isso. Acho que esse texto me ajudou muito a enxergar um pouco melhor essa cidade de fé! Na verdade, sempre fui um fã das palavras de Flavia, sejam elas de qualquer espécie, sobre qualquer assunto. Basta Flavia escrever e lá estou eu, de camarote. É uma honra tê-la no Ao Cubo, é uma honra tê-la como amiga! Como eu sempre digo: Ela tem um dos melhores textos que eu conheço!

Flavia Vasconcelos disse...

Depois desses elogios todos... So resta agradecer ao meu amigo. Espero que gostem dessa minha viagem!

Anônimo disse...

Esse texto me trouxe lágrimas aos olhos. De verdade. Fiquei emocionada com tudo, do texto às fotos.

Eu imaginava que Flávia tinha um dom [ sabe-se lá se é dom mesmo, vou preferir chamar de talento ] de observar outros mundos, outras realidades com olhos limpos, de “criança”, porém, que revelariam ser olhos críticos. Agora virei fã.

Imaginei o quão ególatras somos a ponto de não reconhecer realmente que existe felicidade e cultura sim, muito além do Circuito Barra-Ondina. Doeu um pouco. Mas vi tanta beleza, tanta sinceridade nesse texto que me senti quase na obrigação de mudar os meus modos de ver. Fugir um pouco do trivial para exigir mais o requintado, tanto de mim quando do resto do mundo.

Lembrei muito da música Janela de O Círculo [eu precisava colocar uma trilha sonora aqui, né? ;D ]

Avante, meu povo. Quero mais textos! Hehehe

aocubo disse...

Foda, mto foda! acho q só tenho essa palavra de baixo calão pra expremir oq senti qndo li o texto...um modo de ver mto particular, e acredito, sincero da parte de Flávia...tô louco pra viajar e fazer uns "cliks" tb!

Leandro