30.7.06


Dos ruídos inaudíveis
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Por .g


Nesse exato instante, ouço um disco ímpar. Trata-se de Brad Mehldau, um jazzista contemporâneo, de sonoridade bem peculiar, pungente, caracterizada por suas desconstruções, reconstruções e improvisações. No disco em questão, "Solo Piano - Live in Tokyo", Mehldau interpreta desde clássicos do jazz --como "Things Behind the Sun", do ultra-intimista Nick Drake ou "From This Moment On", de Cole Porter-- à música moderna e experimental do Radiohead --aqui representada por "Paranoid Android", canção que o pianista reconstruiu num arranjo de aproximadamente vinte minutos de duração, sendo que a versão original tem pouco mais de seis minutos.

Mas não quero concentrar aqui minha visão sobre a quintessence da arte de Mehldau; não tenho a pretensão de me aprofundar numa análise sobre o artista. O que tenho reparado ao ouvir "Live in Tokyo" são os pequenos sons, aparentemente inaudíveis e insignificantes para boa parte de quem os ouve. Atenho-me ao som, por exemplo, do movimento dos pedais do piano (o impacto do metal com a madeira), dos aplausos, ou do tossir de alguém da platéia no final de uma música.

O mesmo me ocorre ao ouvir um disco de Björk, Vespertine Live, versão ao vivo do disco no qual ela --no intuito de criar uma atmosfera fantástica, paradisíaca, etérea-- utilizou, dentre coral, beatboxes e orquestra, uma caixa de música em algumas das canções. Em Vespertine Live, é possível ouvir o som das engrenagens da caixa de música, o girar da manivela antes de se iniciar "Pagan Poetry", o regente Simon Lee folheando o livro de partituras, o som do sal grosso --que também funciona como “instrumento”-- numa caixa, pisado por M.C. Schmidt, um dos integrantes da dupla Matmos, convidada para participar das gravações e da turnê do disco.

Pois então, em minha parca filosofia de quem toma banho confabulando sobre as possíveis conspirações acerca da morte de Hafik Hariri, cheguei aqui pensando no quão interessante e prazeroso é ouvirmos os sons para os quais não damos importância no cotidiano, ou num simples CD, como é o caso.

Aplausos, assovios, tosses, vozes, pancadas, giros, suspiros, gritos, pigarros, microfonias, farfalhares, gargalhadas, distorções, rangidos, afinações, gemidos, plugues, grunhidos, desafinações, palhetadas, desplugues... todos esses pequenos sons nos acompanham, por vezes, música a música.

É curioso, mas um dos meus maiores prazeres ao ouvir "Parachutes", do Coldplay, por exemplo, é, ao início da primeira música do disco, sentir o som da palheta deslizando pelas seis cordas do violão, ainda abafadas com a mão esquerda de Chris Martin, antes que as mesmas tenham seus lugares devidamente ocupados com um acorde para que o som do instrumento invada meus ouvidos. Há também o inesquecível pigarro de Kurt Cobain, no início de “The Man Who Sold the World”, no “Unplugged in New York” do Nirvana, a gargalhada contida de Billy Corgan, dos Smashing Pumpkins, durante uma versão acústica de “Mayonaise”, ou os dedos de Caetano Veloso deslizando horizontalmente pelas cordas do violão ao trocar de acorde, gerando aquele ruído característico que sempre marca presença nos bons discos da nossa música brasileira.

São deliciosos barulhinhos bons, propositais ou não, mas sempre uma descoberta única a cada nova música.

Ouçamos mais esses sons, é um exercício para nossa atenção, desperta a audição (isso fica por minha conta), estimula nossas conexões neuronais (idem), nos trazem boas sensações. Eu recomendo. Afinal, se o grande sabor da vida é degustado nos pequenos prazeres do dia-a-dia, tenhamos então algo mais de Amélie em nossas vidas, já que nos martelam tanto a máxima de que “a vida é feita de pequenos prazeres, pequenas felicidades”. Prestemos mais atenção aos ruídos mínimos que nos cercam, dando vazão aos sentidos mínimos dos quais dispomos; sensibilidade é um pouco disso, acredito.

Mas, em verdade, isso é só a psicose de quem quer estuprar uma arte através de uma composição inepta, ou a parvoíce de um pobre blogueiro que, encurralado pela dúvida de postar um ou outro texto, acabou criando um terceiro ainda mais ridículo.

Bem, no mais é isso... Ah, e diga a toda a família que mandei um beijo.

(silêncio)



da ilustração: gentilmente cedida (?) pelo site the melancholy rhino - a sceptical manifesto

7 comentários:

Anônimo disse...

o texto começa bem e termina melhor ainda...leves toques de humor (o seu forte) e uma idéia mto
interessante, prometo agora ficar mais atento ao sons!

Anônimo disse...

Amei o texto! Li com muita calma e talvez tenha prestado mais atenção aos ruídos de minha alma enquanto lia... De todos o que escreveu aqui no blog, talvez o melhor!! E um destaque especial para a saudação final... Lindo, vamos em frente!!

Anônimo disse...

Desses tipos de ruídos que vc falou eu só me recordo agora de uma gargalhada que o vocal do Slipknot dá no final de Left Behind... É massa!
Também gosto bastante de uns sussurros em Only, do Nine Inch Nails ( mas esse exemplo não passa assim tão despercebido).
Mas é verdade, esses detalhes musicais fazem toda a diferença, quando a gente os percebe...
Bom texto!

Cassia B. disse...

o pigarro do kurt no "the man who sold the world" é ótimo!
'cahaaam'. hahaha
só de lembrar do 'cahaaam' já imagino a música tocando...
adoro observar esses detalhes :P

Anônimo disse...

Eu sempre curti ouvir estas coisas... os dedos deslizando nas cordas fazem um som fantastico!
Também gosto de ouvir a respiração de Marcelo Camelo em Todo Carnaval tem seu Fim. Em algumas gravações ao vivo do queen da pra ouvir os passos de fredie mercury, mas é muito pouco peceptivel...
Porém na versão original de Patience do guns'n roses no final da musica existe um som (sim é proposital) muito bom!
Alem disso no EP Jacuipe tem musicas q da pra ouvir as baquetas anunciando o começo da musica, inclusive um " Um, dois tres, vai..." de germanication (baterista).
Aquele abraço!

Anônimo disse...

Clap Clap Clap Clap Clap Clap...
De pé, a deixar o artista desconcertado diante do prolongado reconhecimento!

Anônimo disse...

eu adoro pretar atençao nessas coisas.
adoro andar com o fone no ouvido e escuta-los.